domingo, 21 de maio de 2017

Poetando & Musicando : Quisera ...



Quisera verter-te,
qual água de chuva.

Minhas mãos,
tocarem-te,
mesmo gélidas.

Nas múltiplas gotículas,
formar-te.

Beber-te,
saciar minha sede.

Ter-te,
sonoramente,
batendo no telhado ou janela.

Adentrar-te.

Armazenar-te.

Amar-te,
grata.

Embebedar-me,
formando rios e cascatas.

E ...

Ser serena,
plena,
qual sonata.

Tata Junq

  ( E,tocam,vertem,invadem-me ...violinos & violões & sopros de flautas ...)

Projeto,Alma Feminina: Aquele Olhar.

                                           ( Desenho por pesquisa. / Google. )

Aquele olhar,falou-me encantos.
Vi um retrato,depositado cuidadosamente na escrivaninha de Eliana.
Pequeno,significativo.
Ela percebeu meu crivo,entre tantos papéis,também organizados.
Sorriu,mas com um teor de amargura,de canto.
Meu primeiro trabalho.
E todo cuidado tomei,para não parecer indiscreta.
Advogada,com fama e currículo perfeito.
Admirava-me com sua facilidade de comunicação e convencimento nas causas.
Articulada,inteligente,sensata.
Assim a vi por vários meses ...
Eu servia seu café,num tempo disponível e exato... não a interrompia,jamais.
Desde o primeiro dia,ficou nitidamente estabelecido hierarquias.
Eu sabia,exatamente o meu lugar: uma serviçal.
Se a vi sorrir,conto nos dedos,de uma só mão.
De casa pro trabalho,do trabalho pra casa ... meu ritual.
Surpreendeu-me,num belo dia.
Ofereceu-me emprego,desta feita,pra trabalhar em sua casa.
Considerei valores e talvez algumas regalias.
(Com uma pontinha de receio,no entanto.)
Eu seria uma babá.
Tinha experiências com meus irmãos,apenas.
Foi quando reconheci o garoto da foto.
Seus olhos falavam o tempo todo,mas era limitado em movimentos.
Balbuciava algumas coisas,com dificuldades.
Nascera um garoto normal e fora acometido por doença rara.
O tempo correu ligeiro ... e eu fui ficando,ficando ... e me apegando a Natanael.
Eu achava,ser um anjo ...
E naquele dezembro, de 1985, o anjo criou asas e se foi.
Eu reconstruí-me aos poucos,algemada em lembranças.
Hoje sendo uma enfermeira,formada,trabalho na ala infantil,de um hospital de médio porte e
sei reconhecer olhares ...
Natanael ensinou-me,o exercício do amar.
Estou rabiscando algumas histórias ... 
Há olhares,que pedem socorro,olhares abstratos,olhares
tristes,olhares doces,vezes de alegrias raras ... mas há neles,grandezas d'almas.
Na ala dos terminais, concentro minha maior missão.
É como servisse com delicadeza,presteza,sem falhas,os cafés de outrora.
Não casei,não tenho filhos e adotei tantos ... e despedi-me de tantos,também.
Mas aquele olhar do retrato,é um arquivo-presente.
Eliana,aposentou-se.
Vezes conversamos ... e,está empenhada em revisar meus escritos.
Tornou-se uma amiga,muito querida.
Eu?
Sigo em frente num país bizarro,com hospitais defasados,com governo desencontrado,imoral.
Aposentadoria?
Um dia paro,durmo direito,com consciência plena de missão cumprida,largada num travesseiro.
Isso!

Joana dos Anjos.
(Uma Alma Feminina.)

( Do Projeto,Uma Alma Feminina. / Por: Tata Junq